terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Mundo não deve comemorar um novo apartheid, diz pesquisadora


Mundo não deve comemorar um novo apartheid, diz pesquisadora

Para Nadia Hijab, do Instituto de Estudos Palestinos, Israel segrega os árabes.
Ela diz que é preciso oferecer direitos humanos aos palestinos.
Daniel Buarque Do G1, em São Paulo

Em vez de celebrar a fundação de um Estado, o aniversário da independência israelense deve ser aproveitado para observar o sofrimento palestino, segundo a pesquisadora do Instituto para Estudos Palestinos Nadia Hijab.

Para Hijab, que é descendente de palestinos, o mundo não deve celebrar um novo apartheid, que é como se refere à situação dos palestinos sob domínio israelense. Apartheid é uma palavra usada para designar o sistema discriminatório implementado na África do Sul, na metade do século XX, que segregou oficialmente negros e brancos no país. Segundo ela, a legitimidade do Estado de Israel não está sendo questionada. “Israel existe. Isso é um fato. A Palestina, por outro lado, não existe. Os palestinos vivem em situação trágica”, disse, em entrevista ao G1, por telefone. Para ela, é importante focar numa resolução para a situação, para que os dois povos possam conviver pacificamente.
G1 – A senhora acha que o mundo deve comemorar os 60 anos do Estado de Israel? Por quê?
Nadia Hijab – O mundo celebrou o apartheid sul-africano? Não. A situação de Israel é comparável a esta, porque muitas das políticas israelenses em relação aos palestinos são iguais às do apartheid, e poderiam ser chamadas assim de acordo com a resolução da ONU sobre apartheid. Este termo já é usado até por analistas israelenses.
Não devemos celebrar porque os palestinos estão vivendo em situações realmente terríveis sob ocupação israelense na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Eles são exilados em campos de refugiados ou são cidadãos de segunda classe dentro do Estado de Israel. Há cerca de 1,2 milhão de palestinos com passaportes israelenses, e eles são vistos como cidadãos inferiores, e não têm os mesmos direitos que os cidadãos judeus israelenses. Estamos falando de três níveis de discriminação, então não acho que deva ser celebrado.
G1 – Alguns críticos atacam a atuação de Israel em relação aos palestinos e acabam atacando a própria existência do Estado judeu. A senhora acha que a legitimidade de Israel está em jogo?
Hijab – Os israelenses vivem reclamando que sua existência não é reconhecida, mas isso não está em questão. Israel existe. Isso é um fato. Ele faz parte da ONU, é reconhecido por quase todos os países das Nações Unidas, tem um Exército forte, uma economia importante. Ele existe, não está em jogo. A Palestina, por outro lado, não existe. Os palestinos vivem na situação trágica que descrevi, e não têm acesso aos direitos humanos básicos.
G1 – E qual a solução para este problema?
Hijab - Duas soluções são discutidas, com dois ou com um Estado apenas. O objetivo palestino desde os anos 70 é a formação de dois estados, um judeu e um palestino. O problema é que muitos palestinos hoje em dia acham impossível esta solução por conta dos assentamentos israelenses na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. A colonização da Cisjordânia se deu sob o argumento da segurança israelense, mas acabou causando a insegurança do Estado judeu. Para a solução de dois estados, Israel precisa se retirar da Cisjordânia, o que parece que não vai acontecer.

Uma segunda proposta vem então à tona, e não é a minha posição, apenas repito o que muitos palestinos querem. Os palestinos defendem, então, o estabelecimento de um único Estado israelense em toda a região, que ofereça cidadania igualitária a todos os palestinos vivendo no território. Seria um Estado secular e democrático em toda a região. Esta proposta põe em jogo a existência de um Estado judeu, mas acabaria com o apartheid e com o sofrimento dos palestinos na região. Seria um estado democrático secular como o Brasil, como os Estados Unidos, em que as minorias são respeitadas e têm direitos iguais.
G1 – Se tivéssemos uma solução de um único Estado, pode-se pensar o desenvolvimento econômico e militar israelense nas últimas décadas como algo positivo para a região?
Hijab – Não existe nenhum palestino que pense que tenha sido algo bom perder sua casa, viver sob ocupação ou no exílio, separado de suas famílias, ou ter sido atacado por tanto tempo. Nenhum palestino vai achar a independência de Israel algo positivo. Mas muitos estão dispostos a viver em paz. Os palestinos querem ter direitos e viver em situação de igualdade e em paz com os israelenses. A Palestina já era assim no passado, sob domínio britânico. Eles não querem mais conflitos, não querem acabar com Israel, mas viver em paz.
G1 – Analistas israelenses reclamam que o Estado judeu se tornou um bode expiatório da violência na região. O que a senhora acha disso?
Hijab – Claro que a região tem muitos problemas, mas acho que podemos culpar Israel por muitos dos problemas de violência. A própria independência de Israel envolveu violência, com a expulsão de palestinos que viviam na região. Este ato violento levou a uma situação caótica, criou clima para várias guerras, desestabilizou o próprio Líbano, a Jordânia, e vem massacrando os palestinos sob o domínio de Israel. Muitos dos problemas foram iniciados com o surgimento de Israel. Precisamos dizer que os palestinos também tiveram um sério problema de representação e liderança. As lideranças não conseguiram articular a questão palestina de forma a negociar uma melhora na qualidade de vida da população. Os líderes apenas aceitaram a colonização contínua por parte de Israel, ou se voltaram a uma forma de resistência que não funciona.
G1 – Pode-se falar também em “fogo amigo” quando os palestinos são defendidos pelo presidente do Irã, por exemplo, que ameaça Israel e acaba legitimando a imposição de força sobre os palestinos?
Hijab – Sim. As declarações de Mahmoud Ahmadinejad são péssimas para os palestinos. O discurso dele desculpa todas as atitudes violentas de Israel. As pessoas dão atenção ao que ele fala, e isso acaba servindo para legitimar o uso da força por parte de Israel.
G1 – O que a senhora acha que vai acontecer no futuro da relação israelense-palestina?
Hijab - Acho que podemos ter esperança quanto ao futuro. Tenho prestado muita atenção em como a mídia tem tratado os 60 anos de Israel e percebo que muito poucos veículos trataram do assunto sem abordar o "Nakba" palestino. A Palestina se tornou relevante, o que é muito diferente do que acontecia há 20 anos. Além disso, alguns israelenses já reconhecem o que Israel fez para se consolidar como Estado judeu, retirando palestinos, e eles estão tentando criar uma situação para melhorar a situação dos palestinos. É possível trabalhar juntos, e isso traz esperança.

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